Cine Psi

Um olhar pela lente da psicanálise

por Mônica Satyro Sales

Neste blog, Cine Psi, proponho um olhar singular sobre os filmes. Não me detenho à análise cinematográfica tradicional, que foca em roteiros, direção ou atuações. Meu interesse está na subjetividade dos personagens, naquilo que cada história desperta em mim e no que ressoa de mais marcante em suas narrativas.

Longe de pretensões teóricas, meu enfoque é despretensioso, busco explorar as camadas psicológicas que os filmes revelam, sem me prender a rigor acadêmico. É um convite para sentir, refletir e se conectar com as histórias.

A Pior Pessoa do Mundo

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Falar sobre um filme é também falar um pouco de si. Cada um vê o seu próprio filme, através de suas lentes e com seus sintomas. Afinal, vemos no outro o que está em nós; senão, como poderíamos reconhecer? O que nos é estranho também é familiar, e se projetamos algo fora, é porque também está dentro de nós. Fora e dentro estão entrelaçados, como a banda de Moebius. Integrar é um desafio mental, e digo mental porque é quando o pensar e o sentir, o dentro e o fora, se unem para gerar um pensamento, diferente da razão. É… pensar dá trabalho.

Este filme norueguês retrata a jornada da protagonista, repleta de incertezas, angústias existências, além das dificuldades nos relacionamentos, marcadas pela falta de um cuidado paterno, como é sugerido no enredo.

Revela, ao meu ver, esse ser múltiplo que podemos ser — tudo e ao mesmo tempo nada — em busca de um desejo que nos dê sentido. A protagonista, Julie, transita de médica, psicóloga e fotógrafa para empregada de uma livraria… e ainda diz não à maternidade, tão sugerida pela nossa sociedade. 

Nos relacionamentos afetivos, ela entra, mas não os sustenta quando não se sente em primeiro plano, nem mesmo quando é cuidada. Me parece que, quando é colocada diante da vida (na gestação não desejada) e da morte (que se apresenta tanto no aborto quanto na morte iminente de seu primeiro companheiro), a vida se faz presente. Ela parece começar a integrar esse ser múltiplo, tornando-se a médica, a psicóloga, a fotógrafa e a amante em uma só pessoa. Isso fica claro na cena em que Julie cuida de seu ex; nela, ela aparece inteira, oferecendo tudo isso para ele!

Bom, foi assim que vi esse filme.

Deserto Particular

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Já quase desistindo de tanta busca nesta minha tarde de sábado, o controle remoto encontrou esse filme – e que filme! Uma viagem sensível. Como é difícil viver em um Brasil que ainda abriga tantos desertos… O legado da repressão, que insiste em se fazer presente, não à toa filmado em 2021, em um Brasil fragmentado.
Acho que o Rio de Janeiro, de alguma forma, fecha e abre uma janela de esperança, representada por essa imagem de uma cidade livre. E também o Rio São Francisco, em Sobradinho, que tenta romper suas barragens e se transformar em mar…

All Of Us Strangers

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Esse filme me fez pensar além da história de amor que une os dois personagens, que se encontram em suas dores melancólicas para, juntos, suportá-las. “Suportar” me parece uma palavra interessante aqui, também no sentido de “dar suporte”, destacando como nossas relações primordiais são essenciais. A ponto de criarmos, seja no plano onírico ou delirante, diálogos sobre nossos destinos com nossos cuidadores. Esses diálogos, no filme, se mostram necessários para alcançar uma paz psíquica. Não importa como eles se dêem, mas são essenciais que aconteçam nos lugares que são caros, como a sexualidade por exemplo, e quiçá como forma de sublimação…

Série Psi

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Legado poético de Calligaris!
Me fez refletir sobre como a psicanálise é radicalmente empírica.
A cada evento, é preciso provar a eficácia do setting – do dispositivo…
Para ver se funciona em cada caso.

Dias Perfeitos - Win Wenders

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Esse foi um daqueles filmes que, ao sair do cinema, continuaram a passar para mim, acompanhando meus dias. Ainda que não tão perfeitos, eles estavam carregados de toda a sua delicadeza…

Achei uma obra de arte, e em seus detalhes, passar os dias com esse personagem foi uma experiência de beleza, e ouso dizer, uma lição de vida.

Ao percorrer os dias de Hirayama, protagonista do filme, fui sentindo junto a ele como ocupava um lugar de invisibilidade. O filme me imergiu no olhar de Hirayama, e assim segui por todos os dias ali vividos. Sua forma contida de dar espaço ao outro – quase como um pedido de desculpas por ocupar um lugar – seja no seu ofício, quando alguém chegava para usar o banheiro, seja quando emprestava seu carro para um colega, ou ainda quando cedia sua casa para a sobrinha. E quando era visto, talvez sequer percebesse o quanto… como no caso da Mamma, personagem de Sayuri Ishikawa.

 

Contudo, essa invisibilidade que o define não o diminui. Talvez, ao contrário, a faça um observador gigante, alguém capaz de perceber o mundo ao seu redor em cada detalhe. Um olhar que transforma o ordinário de um cotidiano repetitivo em extraordinários dias perfeitos.

Homem com H

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Ney + Singular + Múltiplo + Coragem

Ney é esse ser que consegue ser ele mesmo, esse bicho que vira gente sem se perder de si. 

Filme pulsante, belo, que traduz a coragem de ser quem se é: respeitando os próprios desejos, mantendo-se firme e, assim, cuidando também do outro. Achei tão psicanalítica a trajetória de Ney, o resgate da infância, as relações paternas, a lei simbolizada por esse pai autoritário que vira combustível para toda uma rebeldia — sem perder totalmente a ternura —, e penso que a grande aposta da psicanálise, ao meu ver, seria conquistar a coragem de existir sem se aprisionar em rótulos de gêneros ou sintomas, sendo simplesmente esse múltiplo que assume seu desejo e o coloca no mundo. 

E a arte chega para conceder essa liberdade: um palco onde quase tudo se torna possível e o impossível se dissolve.